Por conta da fraude, os réus foram condenados em litigância de má-fé.
Em caso envolvendo usucapião de propriedade, a juíza de Direito Angelica Fassini, da 2ª vara de Porto Belo/SC, anulou citação eletrônica enviada a e-mail de falecido e que foi respondida por uma pessoa se passando por ele. Consequentemente, também foi decretada a nulidade da sentença declaratória do domínio. Por conta da fraude, os réus foram condenados em litigância de má-fé.
A ação declaratória de nulidade de citação foi ajuizada por uma idosa de 91 anos que é proprietária de dois lotes em Porto Belo e reside nos Estados Unidos há mais de 40 anos. Ela conta nos autos que sua irmã era encarregada de arcar com o pagamento dos impostos e zelar pelos bens, a partir de verbas que lhe eram remetidas.
Todavia, recentemente, a irmã passou a enfrentar problemas de saúde e outros familiares da autora tomaram a iniciativa de visitar Porto Belo. Nessa visita, informaram a idosa que o terreno de sua propriedade estava ocupado por terceiros, sem que tenha fornecido qualquer autorização para tanto.
Foi então que ela descobriu a existência de um processo de usucapião ajuizado pelos ocupantes da propriedade, oras réus, que tramitou perante o juízo da 2ª vara. Em 2020, alguém, fingindo ser o marido da autora, falecido no ano de 2012, enviou um e-mail à vara (a partir de endereço eletrônico fornecido unilateralmente pela advogada dos ora réus), e abriu mão do prazo de defesa. A demanda acabou julgada procedente.
Na ação declaratória de nulidade de citação, a idosa alega que à época a citação por meio eletrônico não era regulamentada e não houve sequer uma tentativa de citação pessoal. Sustentou, ainda, que o e-mail foi enviado por alguém que se passou por uma pessoa que está morta desde o ano de 2012.
“O criminoso que enviou o e-mail não forneceu qualquer anexo que demonstrasse ter poderes para dar-se por citado por (…). (…), que possui 91 anos, não tem nenhum endereço de e-mail“, diz a defesa da autora.
Citação nula
Ao analisar o caso, a juíza ponderou que a nulidade da citação da autora e seu marido falecido realizada por e-mail nos autos da ação de usucapião é patente e indene de qualquer dúvida.
A magistrada relembrou que a citação de pessoas físicas por meio eletrônico na época ainda não estava regulamentada pelo CNJ e pelos Tribunais. Além disso, destacou que a utilização da citação por meio eletrônico limita-se a situações concretas em que exista confiabilidade no endereço eletrônico do demandado.
“Apesar disso, na mesma decisão admitiu-se a citação dos proprietários registrais, pessoas físicas, e por meio de endereços eletrônicos informados pelos próprios autores da ação de usucapião, os quais possuíam nítido interesse no sucesso da ação.”
Segundo a juíza, o principal requisito para a validade da citação eletrônica, qual seja, a confiabilidade do endereço eletrônico do demandado, foi desconsiderado na decisão.
“Assim, admitiu-se a citação por e-mail, este informados pelos próprios autores da ação, mediante o único requisito de que as mensagens eletrônicas fossem respondidas pelos réus, ‘seja com a informação de que apresentarão contestação no prazo ou com a informação de que renunciam ao prazo da resposta e concordam com o pedido feito na usucapião’.”
Ela diz, ainda, que obviamente não foi o marido da autora quem respondeu o e-mail enviado.
“Além disso, (…) sequer foi citada por e-mail, pois a citação foi encaminhada para um único e-mail supostamente pertencente a (…) e alguém, em nome de ambos, manifestou concordância com o pedido. A citação não preencheu os requisitos legais.”
Além da nulidade da citação e a consequente nulidade de todos os atos processuais posteriores, a magistrada também acolheu o pedido de condenação dos réus à litigância de má-fé.
“Com efeito, os réus desta ação e autores da ação de usucapião relacionada, autos n. 0302516-18.2018.8.24.0139, ao indicarem um e-mail inverídico como sendo do proprietário registral (…) e responderem este e-mail como se fosse o de cujus, nitidamente alteraram a verdade dos fatos, usaram do processo de usucapião para conseguir objetivo ilegal e procederam de modo temerário em ato do processo de usucapião, especificamente, na citação dos proprietários o imóvel. Assim, incidiram nas condutas previstas nos incisos II, III e V do art. 80 do Código de Processo Civil.”
Portanto, os condenou ao pagamento de multa fixada em 9% do valor da causa, além da obrigação de indenizarem a autora pelo prejuízo decorrente das consequências dos efeitos da sentença proferida na ação de usucapião – valor que deverá ser apurado em liquidação de sentença.
A advogada Daglia Santis dos Santos atua no caso.
Processo: 5004289-47.2022.8.24.0139
Acesse a sentença.
Fonte: Migalhas