Interações online podem incluir situações como cyberbullying, difamação e outros tipos de ofensa
Um documento que facilita a comprovação de delitos cibernéticos vem ganhando cada vez mais adesão no Ceará. As chamadas atas notariais, que podem ser feitas em cartórios, reúnem e “autenticam” elementos a serem usados em processos sobre cyberbullying e outros crimes praticados no ambiente online. Só no ano passado, foram realizadas quase 1.500 solicitações no Estado.
Em janeiro deste ano, foi sancionada a Lei 14.811/2024, que prevê reclusão de dois a quatro anos, além de multa, para quem cometer cyberbullying. O texto define como “bullying” a intimidação sistemática, individual ou em grupo, por meio de atos de humilhação ou discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais.
Prevista pela legislação brasileira, a ata notarial é comprobatória da prática de crimes cometidos na internet e pode ser utilizada como prova em processos judiciais e administrativos. Segundo Elinalva Henrique, presidenta do Colégio Notarial do Brasil – Seção Ceará (CNB/CE), o documento traz a descrição do que o notário está vendo.
“Por exemplo: se foi bullying sofrido pelo Instagram, essa ofensa é conferida pelo notário, o local, a data que foi publicada, o teor. Se for um vídeo, descreva o vídeo e printe as imagens”, explica.
Por ser um instrumento público, ela é dotada de fé pública e traz teor de veracidade. “Nos crimes digitais, facilmente a pessoa apaga uma publicação. No momento em que está ocorrendo, a vítima entra em contato com o cartório de notas e já solicita a ata notarial. É de fácil acessibilidade à população, o que é muito importante. O juiz, quando receber o documento, não terá mais a preocupação de verificar o que foi escrito”, garante.
Além do cyberbullying, a ata notarial pode ser utilizada para a comprovação de outros crimes, como calúnia, injúria e difamação. Em 2020, foram solicitadas 556 atas no Ceará; no ano passado, o número cresceu para 1.493.
A nova lei brasileira tornou mais rígidas as penas para crimes cometidos contra crianças e adolescentes. Responsáveis por comunidades ou redes virtuais nas quais seja induzido o suicídio ou a prática de automutilação a menores de 18 anos, por exemplo, responderão por crime hediondo, ou seja, inafiançável e sem possibilidade de liberdade provisória, com pena de cinco anos de prisão.
O meio digital requer especial atenção porque, sendo de fácil acesso, pode ter informações propagadas rapidamente, como lembra a advogada Lívia Girão, membro da Comissão de Estudos em Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE).
“A ofensa pode, em segundos, se tornar de domínio público. Por isso, o registro dessas atitudes é essencial por parte da vítima. Judicialmente, é comum ver juízes oficiarem redes sociais com vistas a fornecerem elementos de informação nesse sentido, respeitando, certamente, o repasse e segurança de dados dos usuários”, afirma.
A especialista ressalta que toda prova passa, sempre, pelo crivo do juiz, por isso é essencial que haja organização e cautela de seu uso. Entre as peças que podem ser levadas em conta, estão registros de conversas e áudios, “destacando a necessidade de se ter ciência de datas”; além de, endereços de e-mail, sites ou links diretos que levem até a ofensa proferida.
ATENÇÃO AOS RISCOS
Para Érica Regina Albuquerque, defensora pública e coordenadora do Centro de Justiça Restaurativa da Defensoria Pública do Estado, os jovens são um público bastante vulnerável a essas práticas. “O cyberbullying como violência em ambiente virtual vem afetando muitas pessoas, e parte considerável são adolescentes – seja como parte ofensora, seja como vítimas”, diz.
Por conta da violência virtual, tem gente que para de comer, não consegue mais dormir, e tem gente que se mata. É um assunto sério, que precisa ser cautelosamente cuidado, com diálogo pela sociedade e no ambiente familiar. O ato lesivo, antes de ferir a lei, fere pessoas.
Érica defende a sensibilização da juventude sobre os riscos do mau uso ou uso indevido do ambiente virtual, ao compartilhar indevidamente notícias, fotos ou mesmo proferindo palavras indevidas a outras pessoas. “É importante reforçar sobre a responsabilidade e as consequências desses atos com nossas crianças e adolescentes, bem como protegê-los”, completa.
COMO PEDIR UMA ATA NOTARIAL
Conforme o CNB-CE, para solicitar o serviço, o interessado deve buscar um Cartório de Notas, de forma física ou pela plataforma online e-Notariado, e solicitar que seja feita a verificação de uma determinada situação.
No caso de ataques feitos em redes sociais e por aplicativos de mensagens – que podem gerar processos por injúria, calúnia ou difamação –, e também quando da publicação de “fake news”, é possível solicitar que o tabelião registre o que vê em uma página específica da internet, aplicativo, telefone, rede social ou arquivo digital de mensagens.
O documento emitido pelo notário contém informações básicas de criação do arquivo – data, hora e local -, o nome e a qualificação do solicitante, a narrativa dos fatos – podendo incluir declarações de testemunhas, fotos, vídeos e transcrições de áudios -, além da assinatura do tabelião junto ao visto do cartório.
De acordo com Elinalva Henrique, os valores podem variar conforme o caso. “Todos os serviços são previstos em uma tabela oficial. A Ata Notarial equivale a uma escritura de valor declarado. Tem as menos complexas e as mais complexas, que podem precisar de perícia técnica. As mais simples são muito acessíveis”, finaliza.